sexta-feira, 28 de agosto de 2009

BORGES NO INFERNO

José Eduardo Agualusa


Jorge Luis Borges soube que tinha morrido quando, tendo fechado os olhos para melhor escutar o longínquo rumor da noite crescendo sobre Genebra, começou a ver. Distinguiu primeiro uma luz vermelha, muito intensa, e compreendeu que era o fulgor do sol filtrado pelas suas pálpebras. Abriu os olhos, inclinou o rosto, e viu uma fileira de densas sombras verdes. Estava estendido de costas numa plantação de bananeiras. Aquilo deixou-o de mau humor. Bananeiras?! Ele sempre imaginara o paraíso como uma enorme biblioteca: uma sucessão interminável de corredores, escadas e outros corredores, ainda mais escadas e novos corredores, e todos eles com livros empilhados até o tecto.

Levantou-se. Endireitou-se com dificuldade, sentindo-se desconfortável dentro do próprio corpo subitamente rejuvenescido (quando morremos reencarnamos jovens e Borges não se recordava de como isso era.) Caminhou devagar entre as bananeiras. Parecia-lhe pouco provável encontrar ali alguém conhecido, ou seja, alguém de quem tivesse lido algo. Ou alguém sobre quem tivesse lido algo. Nesse caso seria alguém um pouco menos conhecido, ou um pouco menos alguém, ou ambas as coisas.

A plantação prolongava-se por toda a eternidade. Uma dúvida começou a atormentá-lo: talvez estivesse, afinal, não no paraíso, mas no inferno. Para onde quer que olhasse só avistava as largas folhas verdes, os pesados cachos amarelos, e sobre essa idêntica paisagem um céu imensamente azul. Borges lamentava a ausência de livros. Se ali ao menos existissem tigres – tigres metafóricos, claro, com um alfabeto secreto gravado nas manchas do dorso –, se houvesse algures um labirinto, ou uma esquina cor-de-rosa (bastava-lhe a esquina), mas não: só avistava bananeiras, bananeiras, ainda bananeiras. Bananeiras a perder de vista.

Percorreu sem cansaço, mas com crescente fastio, a infinita plantação. Era como se andasse em círculos. Era como se não andasse. Fazia-lhe falta a cegueira. Cego, o que não via tinha mais cores do que aquilo – além do mistério, claro. Como é que um homem morre na Suíça e ressuscita para a vida eterna entre bananeiras?

Borges não gostava da América Latina. A Argentina, como se sabe, é um país europeu (ou quase), que por desgraça faz fronteira com o Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai. Para Borges, aquele quase sempre foi um espinho cravado no fundo da alma. Isso e a vizinhança. Os índios ele ainda tolerava. Tinham fornecido bons motivos para a literatura e além disso estavam mortos. O pior eram os negros e os mestiços, gente capaz de transformar o grande drama da vida – da vida, meu Deus! – numa festa ruidosa. Borges sentia-se europeu. Gostava de ler os clássicos gregos (gostaria de os ter lido em grego). Gostava do silêncio poderoso das velhas catedrais.

Foi então que a viu. À sua frente uma mulher flutuava, pálida e nua, sobre as bananeiras. A mulher dormia, com o rosto voltado para o sol e as mãos pousadas sobre os seios, e era belíssima, mas isso para Borges não tinha grande importância (a especialidade dele sempre foram os tigres). Horrorizado compreendeu o equívoco. Deus confundira-o com outro escritor latino-americano. Aquele paraíso fora construído, só podia ter sido construído, a pensar em Gabriel García Marquez.

Jorge Luis Borges sentou-se sobre a terra úmida. Levantou o braço, colheu uma banana, descascou-a e comeu-a. Pensou em Gabriel García Marquez e voltou a experimentar o intolerável tormento da inveja. Um dia o escritor colombiano fechará os olhos, para melhor escutar o rumor longínquo da noite, e quando os reabrir estará deitado de costas sobre o lajedo frio de uma biblioteca. Caminhará pelos corredores, subirá escadas, atravessará outros corredores, ainda mais escadas e novos corredores, e em todos eles encontrará livros, milhares, milhões de livros. Um labirinto infinito, forrado de estantes até o tecto, e nessas estantes todos os livros escritos e por escrever, todas as combinações possíveis de palavras em todas as línguas dos homens.

Jorge Luis Borges descascou outra banana e nesse momento um sorriso – ou algo como um sorriso – iluminou-lhe o rosto. Começava a adivinhar naquele equívoco cruel um inesperado sentido: sendo certo que o paraíso do outro era agora o inferno dele, então o paraíso dele haveria de ser, certamente, o inferno do outro.

Borges terminou de descascar a banana e comeu-a. Era boa. Era um bom inferno, aquele.



do blog Caquis Caidos de Adriana Lisboa

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

J'adore J'adore

J'adore

Eu queria saber bater. Mas bater de verdade, que dar uns tapas eu sei. Mas não é disso que eu estou falando. Eu queria saber bater igual mulher policia em filme americano, quando elas pegam os malvados e arrebentam com todo mundo. Eu adoro, chego a salivar na frente da televisão pensando em como seria delicioso dar uns tabefes bem dados.
Hoje é um desses dias que eu queria ser boa de briga, mas daquelas que so batem ,porque apanhar eu nunca apanhei, mas sei ja que não gosto.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Paroles, paroles, paroles

Como é que as pessoas assistem reality show? Como podem acreditar que não tem um script por tras de todas as asneiras que assistem? E como podem gostar de um script tão pobre?
E não venham os mais metidos a intelectuais dizerem que assistem essas porcarias com um olhar sociologico sobre a coisa, que os candidatos desses programas absurdos são o reflexo da sociedade.
Desculpa la, isso não existe não, quem assiste reality show gosta de porcaria televisa representada por maus atores e so. Nada mais que isso.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Si Dios fuera una mujer


¿y si Dios fuera una mujer?
-Juan Gelman



¿Y si Dios fuera mujer?
pregunta Juan sin inmutarse,
vaya, vaya si Dios fuera mujer
es posible que agnósticos y ateos
no dijéramos no con la cabeza
y dijéramos sí con las entrañas.

Tal vez nos acercáramos a su divina desnudez
para besar sus pies no de bronce,
su pubis no de piedra,
sus pechos no de mármol,
sus labios no de yeso.

Si Dios fuera mujer la abrazaríamos
para arrancarla de su lontananza
y no habría que jurar
hasta que la muerte nos separe
ya que sería inmortal por antonomasia
y en vez de transmitirnos SIDA o pánico
nos contagiaría su inmortalidad.

Si Dios fuera mujer no se instalaría
lejana en el reino de los cielos,
sino que nos aguardaría en el zaguán del infierno,
con sus brazos no cerrados,
su rosa no de plástico
y su amor no de ángeles.

Ay Dios mío, Dios mío
si hasta siempre y desde siempre
fueras una mujer
qué lindo escándalo sería,
qué venturosa, espléndida, imposible,
prodigiosa blasfemia.


Mario Benedetti


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Mujeres Creando



Estava em La Paz quando abriram o café Arte Mujer e Carcajadas, tive também o prazer de encontrar muitas vezes a Maria Galindo na UMSA (Universidad Mayor de San Andrés). Sei o quanto Maria e Julieta soferam para fazer vingar aquele que é provavelmente o primeiro movimento feminista e intitulado feminista na Bolivia, violência verbal e fisica, desprezo social e imagino, muitas dificuldades econômicas para começar. Infelizmente não fiz parte do movimento, mas acompanhei de perto e tive o prazer de visitar varias vezes o café.
A pagina web se chama www.mujerescreando.org visitem a pagina, vale muito a pena conhecer o movimento e comprem o livro dos grafites, é fantastico. Antes que eu me esqueça, elas tem também uma radio, www.radiodeseo.com
Tem uma coisa que vejo muito depois que estou vivendo em Paris e que me irrita horrores, é a discriminação escondida pelo politicamente correto.
Me explico, conheci uma certa quantidade de gente super politicamente correta, que se inscrevem na Amnesty International, que sofrem diante de um caso de discriminação racial ou etnica, que acredita e acredita que acredita que neste mundo somos todos iguais e todos merecedores de um espaço sob o sol, bom, no caso de Paris sob as nuvens e oito meses por ano sob o cinza.
O problema é na relação direta que vejo dessas mesmas pessoas com o proximo que esta realmente proximo, ali, do lado.
Eu sou muito observadora e se não fosse tão impulsiva e tão faladora ainda teria mais historias para contar. Mas vamos la.
O primeiro exemplo disso eu vi no meu primeiro emprego. Quando cheguei trabalhei numa loja de sapatos no bairro mais popular da cidade, Barbés. Um casal de judeus, proprietarios da loja me deram o trabalho por minhas qualidades linguisticas, menos quando se trata do francês, é claro, por que nesta época eu so falava bonjour e merci.
A dona da loja tinha todo um discurso de igualdade humana, pretos, brancos, catolicos, muçulmanos e judeus, todos somos iguais. Lindo né? Pois então, so que ela entrava com uma buxinha e um produto de limpeza cada vez que queria usar o banheiro e mesmo varias vezes por dia. Perguntei a ela porque e a resposta (aproximativa, lembrem-se que eu não falava francês) foi: os meninos não levantam a tampa então tenho que estar sempre limpando. Pera ai minha senhora, vai ficar limpando mijo de barbado até quando? Entao a igualdade de gênero nao entra na sua listinha de politicamente correto? Pedi a ela que me deixasse resolver o caso pois ela se sentia mal em falar de uma coisa assim tao intima com homens. Comecei a ficar na porta do banheiro cada vez que entrava um representante do sexo que manda e depois inspecionavamos juntos, se tivesse uma gotinha o cabra limpava ali na minha frente, e sabe o que? deu certo, até porque eu acho que fazer xixi dentro da privada era mais facil que me suportar fazendo discursos que ninguem entendia acompanhado de cinco palavras que aprendi para a ocasiao.
Outra coisa foi na universidade, estudei em Paris 8 a universidade mais popular desta cidade, inclusive muito insultada por brasileiros que vem para ca sonhando com a Sorbonne e so conseguem vaga por la, porque é uma universidade que da vagas a todos, so que filho, entrar é facil, sair é que sao elas, porque o troço nao é facil nao. Tinha uma aula muito interessante de antropologia econômica com um professor fantastico a quem devo muito pela paciência e coragem para me ensinar calculos de economia. Neste curso eramos mais ou menos divididos entre metade muçulmanos e metade todo o resto, o que diga-se de passagem nunca criou nenhum tipo de conflito, mas quando se usava o exemplo de uma religiao monoteista para explicar qualquer coisa que nao fosse la muito positiva, o isla nunca era colocado no roda. Um dia perguntei a ele porque, e ele disse que era impressao minha, pode ser, respondi, entao para acabar com essa minha impressao vamos começar a falar mal dos turcos, nao que falar mal dos romanos me incomode, ate gosto, mas o espirito critico tem que ser imparcial numa sala de aula.
Deu mais ou menos certo, mas as discussoes foram fantasticas e aprendemos economia e sociologia religiosa tudo em tres horas por semana.
Do museu nao vou falar porque cada vez que penso que trabalhei naquele antro tenho vontade de sair cuspindo no mundo e hoje estou de bom humor.
Do batobus também nao porque ali o negocio era corretissimo, homem, mulher, branco, preto, todo mundo levava ferro.
Da outra compania de barco, sexista a morte, mulheres eram so caixeiras, assistentes ou secretarias, mas o chefe era um bolha machista e aqui era o outro politicamente correto que quero contar. Quando entrei so uma das meninas que trabalhavam na caixa era negra, mas um capitao e uma das assistentes do serviço comercial tambem eram. O problema é que essa menina era uma completa inutil, chegava atrazada quase todos os dias, passava os seus dias de trabalho entre o celular e o facebook, saia para almoçar e voltava quando tinha vontade e por ai vai. E nunca, nunquinha da silva nossos superiores hierarquicos imediatos fizeram nenhuma remarca, e porque? porque eles tinham medo de ser chamados de racistas se dessem um chega para la numa menina negra. Mas gente, ja viram exemplo mais claro de racismo que isso? Nao querer parecer racista? Tratar o negro como se ele fosse diferente do branco, incapaz de ter responsabilidades, de respeitar horarios ou qualquer outra coisa que se exige dos outros brancos que fazem o mesmo trabalho? E isso eu vejo o tempo todo, nos mercados, nos trabalhos, no transporte publico, o negro é protegido, mas protegido simplesmente ali, no superficial, porque no frigir dos ovos o preconceito existe e cada dia se reforça. Porque o chefe que diz nao querer ser chamado de racista é o mesmo que vai preferir contratar um branco para evitar esse tipo de situaçao. Claro que eu nao ia deixar passar mais essa a limpo e no final fui chamada, pela menina em questao, de branca racista.
Para ela a situaçao era comoda, e para varios negros que vejo aqui sem outra ambiçao que um trabalhinho mais ou menos e a ajuda do estado tudo isso ta bom assim, porque algumas pessoas, e espero que sejam a minoria, a situaçao de vitima é confortavel, culpar os outros pelas nossas desgraças é muito mais facil que tomar nossas proprias responsabilidades e isso me desespera, porque eu passo la no forum Les Halles e vejo toda uma geraçao de meninos e meninas completamente perdida, e sao todos negros. Com quinze anos ja estao fora da escola, as meninas tem filhos ainda adolescentes, os meninos que tem sorte terminam como segurança em supermercado e os que tem menos sorte na cadeia por trafico de drogas. E eu nao estou falando do Brasil, um pais claramente racista. Estou falando da França e de uma geraçao que aprendeu com os pais que eles sao sempre vitimas e nao podem ter nenhuma aspiraçao maior que o RMI (revenue minimum de inserction, uma miseria que o governo da para quem nao trabalha). E nao é possivel que uma situaçao tao desesperadora tenha so um culpado, porque vou dizer uma coisa para voces, eu como mulher e latino americana quando quero alguma coisa nao posso esperar que seja o branco, europeu e homem, me dê de mao beijada, porque ele nao vai sair do conforto dele para resolver os meus problemas, e acho que o mesmo acontece nas relaçoes raciais aqui. E sim, sei que a palavra raça foi banida a tempos mas eu nao sei que palavra usar, e "francês de cor" podem esquecer, da minha boquinha nao sai esse troço feio nao.

P.S.: Os acentos da metade do post para baixo? perguntem ao meu computa porque eu ja cansei de tentar intendê-lo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Abri uma pagina para colocar fotos, o flickr é muito chato e tem limites mensais, e eu não penso de jeito nenhum em pagar para colocar fotos no flickr. Quem quiser ver: www.photosamya.tumblr.com
Decidi fazer um percurso educativo nos blogs das feministas brasileiras, então no lugar de perder preciosas horas do rarissimo sol parisiense escrevendo no meu proprio blog ou lendo o que me agrada por ai eu decidi investir em saber o que pensam as mulheres feministas do meu brasil VARONIL.Gostei não, alias gostei bem pouco, porque o que me cabreou mesmo não foram os posts e sim os comentarios. Ja aconteceu com vocês de terem a impressão que algumas pessoas lêem mas não sabem o que lêem? Pois é, foi a impressão que eu tive. Mas isso é so um desabafo.

sábado, 1 de agosto de 2009