segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Tem uma coisa que vejo muito depois que estou vivendo em Paris e que me irrita horrores, é a discriminação escondida pelo politicamente correto.
Me explico, conheci uma certa quantidade de gente super politicamente correta, que se inscrevem na Amnesty International, que sofrem diante de um caso de discriminação racial ou etnica, que acredita e acredita que acredita que neste mundo somos todos iguais e todos merecedores de um espaço sob o sol, bom, no caso de Paris sob as nuvens e oito meses por ano sob o cinza.
O problema é na relação direta que vejo dessas mesmas pessoas com o proximo que esta realmente proximo, ali, do lado.
Eu sou muito observadora e se não fosse tão impulsiva e tão faladora ainda teria mais historias para contar. Mas vamos la.
O primeiro exemplo disso eu vi no meu primeiro emprego. Quando cheguei trabalhei numa loja de sapatos no bairro mais popular da cidade, Barbés. Um casal de judeus, proprietarios da loja me deram o trabalho por minhas qualidades linguisticas, menos quando se trata do francês, é claro, por que nesta época eu so falava bonjour e merci.
A dona da loja tinha todo um discurso de igualdade humana, pretos, brancos, catolicos, muçulmanos e judeus, todos somos iguais. Lindo né? Pois então, so que ela entrava com uma buxinha e um produto de limpeza cada vez que queria usar o banheiro e mesmo varias vezes por dia. Perguntei a ela porque e a resposta (aproximativa, lembrem-se que eu não falava francês) foi: os meninos não levantam a tampa então tenho que estar sempre limpando. Pera ai minha senhora, vai ficar limpando mijo de barbado até quando? Entao a igualdade de gênero nao entra na sua listinha de politicamente correto? Pedi a ela que me deixasse resolver o caso pois ela se sentia mal em falar de uma coisa assim tao intima com homens. Comecei a ficar na porta do banheiro cada vez que entrava um representante do sexo que manda e depois inspecionavamos juntos, se tivesse uma gotinha o cabra limpava ali na minha frente, e sabe o que? deu certo, até porque eu acho que fazer xixi dentro da privada era mais facil que me suportar fazendo discursos que ninguem entendia acompanhado de cinco palavras que aprendi para a ocasiao.
Outra coisa foi na universidade, estudei em Paris 8 a universidade mais popular desta cidade, inclusive muito insultada por brasileiros que vem para ca sonhando com a Sorbonne e so conseguem vaga por la, porque é uma universidade que da vagas a todos, so que filho, entrar é facil, sair é que sao elas, porque o troço nao é facil nao. Tinha uma aula muito interessante de antropologia econômica com um professor fantastico a quem devo muito pela paciência e coragem para me ensinar calculos de economia. Neste curso eramos mais ou menos divididos entre metade muçulmanos e metade todo o resto, o que diga-se de passagem nunca criou nenhum tipo de conflito, mas quando se usava o exemplo de uma religiao monoteista para explicar qualquer coisa que nao fosse la muito positiva, o isla nunca era colocado no roda. Um dia perguntei a ele porque, e ele disse que era impressao minha, pode ser, respondi, entao para acabar com essa minha impressao vamos começar a falar mal dos turcos, nao que falar mal dos romanos me incomode, ate gosto, mas o espirito critico tem que ser imparcial numa sala de aula.
Deu mais ou menos certo, mas as discussoes foram fantasticas e aprendemos economia e sociologia religiosa tudo em tres horas por semana.
Do museu nao vou falar porque cada vez que penso que trabalhei naquele antro tenho vontade de sair cuspindo no mundo e hoje estou de bom humor.
Do batobus também nao porque ali o negocio era corretissimo, homem, mulher, branco, preto, todo mundo levava ferro.
Da outra compania de barco, sexista a morte, mulheres eram so caixeiras, assistentes ou secretarias, mas o chefe era um bolha machista e aqui era o outro politicamente correto que quero contar. Quando entrei so uma das meninas que trabalhavam na caixa era negra, mas um capitao e uma das assistentes do serviço comercial tambem eram. O problema é que essa menina era uma completa inutil, chegava atrazada quase todos os dias, passava os seus dias de trabalho entre o celular e o facebook, saia para almoçar e voltava quando tinha vontade e por ai vai. E nunca, nunquinha da silva nossos superiores hierarquicos imediatos fizeram nenhuma remarca, e porque? porque eles tinham medo de ser chamados de racistas se dessem um chega para la numa menina negra. Mas gente, ja viram exemplo mais claro de racismo que isso? Nao querer parecer racista? Tratar o negro como se ele fosse diferente do branco, incapaz de ter responsabilidades, de respeitar horarios ou qualquer outra coisa que se exige dos outros brancos que fazem o mesmo trabalho? E isso eu vejo o tempo todo, nos mercados, nos trabalhos, no transporte publico, o negro é protegido, mas protegido simplesmente ali, no superficial, porque no frigir dos ovos o preconceito existe e cada dia se reforça. Porque o chefe que diz nao querer ser chamado de racista é o mesmo que vai preferir contratar um branco para evitar esse tipo de situaçao. Claro que eu nao ia deixar passar mais essa a limpo e no final fui chamada, pela menina em questao, de branca racista.
Para ela a situaçao era comoda, e para varios negros que vejo aqui sem outra ambiçao que um trabalhinho mais ou menos e a ajuda do estado tudo isso ta bom assim, porque algumas pessoas, e espero que sejam a minoria, a situaçao de vitima é confortavel, culpar os outros pelas nossas desgraças é muito mais facil que tomar nossas proprias responsabilidades e isso me desespera, porque eu passo la no forum Les Halles e vejo toda uma geraçao de meninos e meninas completamente perdida, e sao todos negros. Com quinze anos ja estao fora da escola, as meninas tem filhos ainda adolescentes, os meninos que tem sorte terminam como segurança em supermercado e os que tem menos sorte na cadeia por trafico de drogas. E eu nao estou falando do Brasil, um pais claramente racista. Estou falando da França e de uma geraçao que aprendeu com os pais que eles sao sempre vitimas e nao podem ter nenhuma aspiraçao maior que o RMI (revenue minimum de inserction, uma miseria que o governo da para quem nao trabalha). E nao é possivel que uma situaçao tao desesperadora tenha so um culpado, porque vou dizer uma coisa para voces, eu como mulher e latino americana quando quero alguma coisa nao posso esperar que seja o branco, europeu e homem, me dê de mao beijada, porque ele nao vai sair do conforto dele para resolver os meus problemas, e acho que o mesmo acontece nas relaçoes raciais aqui. E sim, sei que a palavra raça foi banida a tempos mas eu nao sei que palavra usar, e "francês de cor" podem esquecer, da minha boquinha nao sai esse troço feio nao.

P.S.: Os acentos da metade do post para baixo? perguntem ao meu computa porque eu ja cansei de tentar intendê-lo.

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